Já imaginou um “cárcere econômico-financeiro” por meio de uma sociedade prevista pelo Código Civil?

A pergunta da “manchete” desse artigo, embora possa parecer apenas dramática, exprime o verdadeiro sentimento de muitas pessoas que aportaram os seus recursos financeiros em empresas inidôneas, sob promessas de altos retornos, enxergando-se, no fim, completamente impotentes diante do majoritário entendimento do Judiciário.

Antes de explicarmos, porém, como essas empresas vêm praticando essa fraude civil, vale a ressalva de que a grande maioria das empresas fazem essa captação de dinheiro com retidão e lisura, tendo o presente artigo o intuito de alertar os investidores para que tomem os devidos cuidados, a fim de identificar e distinguir essas empresas.

Bom, sem perdermos da memória essa ressalva, a maneira mais usual de formalização para o recebimento dos recursos investidos é por meio da constituição de uma Sociedade em Conta de Participação – SCP, pois as vantagens da sua celebração são inúmeras, como, por exemplo, nas searas tributárias e isenção de responsabilidade civil.

A título de exemplo, a constituição da SCP como um investimento pode se dar da seguinte forma: uma empresa (sócio ostensivo), com o intuito de construir um empreendimento, ao invés de usar recursos próprios, capta dinheiro junto a pessoas físicas (sócio participante) prometendo aplicar os recursos para a construção e, ao final, devolver o valor aportado, normalmente com o acréscimo de altíssimos retornos e, ainda, sem incidência de impostos sobre a parcela do resultado.

O que poucos investidores tomam conhecimento antes de adentrar em uma SCP é que, pela letra fria da lei, ela é uma modalidade societária, o que significa dizer que o dinheiro aportado pode estar sujeito aos riscos do negócio e que os grandes retornos geralmente prometidos podem simplesmente não existir ao final do empreendimento.

Quando o legislador previu a SCP, não sem propósito, inseriu- a no rol de Sociedades dentro do nosso Código Civil (Art. 991).

Assim, poderia ser entendida como a conjunção de vontades de Sócios para formar uma Sociedade, sujeita aos riscos de qualquer outra atividade empresária – inclusive à possibilidade de não se obter ao final nenhum lucro ou até mesmo de ter que suportar os prejuízos.

Se essa informação por si só já não fosse ruim o suficiente para quem está lendo e se identificando com a situação, lamentamos informar que a relação entre os “Sócios” na SCP tem ainda mais um agravante: o sócio participante (investidor) se limita a entregar o aporte, não podendo de qualquer forma gerir efetivamente o empreendimento que está sendo construído com os seus recursos, podendo, somente, acompanhar as informações de gestão que o sócio ostensivo quiser disponibilizar e/ou cobrar explicações em uma ação de exigir contas.

Assim, em um cenário em que o sócio ostensivo se utilize destes recursos de forma fraudulenta ou pratique uma gestão temerária, o sócio oculto acaba por ficar de mãos atadas, na maioria das vezes restando-lhe uma postura reativa aos prejuízos já identificados: um verdadeiro cárcere econômico-financeiro, não é?

Esta falta de definição concreta quanto à natureza da SCP apresenta duas faces perversas contra o investidor: de um lado, o sócio ostensivo que ludibria investidores com promessas de altos rendimentos sem nunca deixar explícitos os seus riscos, e de outro, a legislação atual que ampara o sócio ostensivo generalizando todo eventual prejuízo que o investidor obteve com a SCP ao “risco do negócio”, sem reconhecer que o verdadeiro intuito do investidor sempre foi firmar um contrato de investimento e não uma Sociedade.

       No entanto, justamente pelo fato do investidor nunca ter tido a intenção de ser sócio daquele negócio, mas apenas de aportar o dinheiro e recebe-lo com o retorno sugerido quando da captação, apesar da letra da Lei, a doutrina majoritária prevê que a SCP não passa de um contrato de investimento e que a nossa legislação impropriamente a denominou de Sociedade.

A boa notícia é que com esse movimento doutrinário no sentido de que se trata de uma mera confusão de nomenclatura, mas que não estaríamos diante de uma sociedade juridicamente falando, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM que é a autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, em julgamento de processos administrativos sancionadores (PAS CVM nº RJ2014/5099 e Nº RJ 2015/7239), dispôs que a “sociedade em conta de participação, apesar do nomen iuris que lhe foi atribuída pelo ordenamento jurídico, não consiste verdadeiramente em uma sociedade”.

Apesar de embrionária, não deixa de ser uma inclinação mais técnica e mais consciente no sentido de resguardar a verdadeira vontade do investidor, que viu na SCP um contrato e, não, uma sociedade.

Ou, em última análise, se não tinha o indivíduo essa consciência de compartilhamento de riscos, não seria forçoso considerar a anulação do negócio por vício de consentimento, sendo devido a ele a devolução dos valores investidos.

Por isso, diante desses alertas, o ideal é que as promessas de retorno estejam previstas no próprio instrumento da SCP, pois isso demonstrará não só a boa-fé da empresa que está lhe transmitindo as informações que o motivaram a aportar o seu suado recurso, como lhe dará a segurança necessária de futuramente poder cobrar o prometido, como o contrato que verdadeiramente é.

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